Teletrabalho e o plano de saúde

A partir do advento da Lei nº 13.467/2017, também conhecida como a “Reforma Trabalhista”, o teletrabalho passou a ser disciplinado de forma específica pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como sendo a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (CLT, art. 75-B).

Vale dizer que, através dos meios tecnológicos, o empregado pode escolher de qual local deseja prestar seus serviços sem a necessidade de estar fisicamente na unidade do empregador.

A contratação na modalidade de teletrabalho trouxe vários desafios no âmbito jurídico. Por conta da regulamentação recente, maximado pelas necessidades decorrentes da pandemia de Covid-19, não houve tempo suficiente para uma adequada adaptação da legislação e da jurisprudência acerca das nuances que envolvem o teletrabalho.

Não há definição, por exemplo, de quais normas coletivas de trabalho serão aplicadas ao teletrabalhador em razão dos critérios de territorialidade dos sindicatos. Em nossa análise, a tese que mais tem razão de vingar é no sentido de que as normas coletivas a serem adotadas são aquelas da base territorial onde se encontra o estabelecimento do empregador (matriz ou filial), cujo teletrabalhador esteja subordinado, por analogia às regras do trabalho externo (art. 651, § 1º, da CLT).

Ultrapassadas essas considerações iniciais, que servem mais de reflexão na relação trabalhista, porém, que acabam por abrir o caminho para a celeuma que será tratada neste artigo, qual seja: a área de abrangência do plano de saúde assegurado ao teletrabalhador por instrumento coletivo de trabalho.

Isto é, em palavras mais provocativas:

 

Como o empregador pode cumprir a obrigação convencional de subsidiar à assistência à saúde em favor do teletrabalhador que reside fora da área de abrangência registrada no plano de saúde oferecido aos demais empregados?

Pois bem. Imaginemos a hipótese da empresa com matriz sediada na cidade de São Paulo, sem filiais, cumprindo a convenção coletiva de trabalho (CCT) firmada entre os sindicatos dentro da competência territorial com a concessão aos seus empregados de plano de saúde limitado à área de abrangência estadual (apenas no Estado de São Paulo), mas que resolve admitir um teletrabalhor com residência em determinado município do Estado do Rio Grande do Sul. Percebe-se que esse trabalhador em regime de teletrabalho poderá ser beneficiário do plano de saúde empresarial do empregador, com abrangência estadual, mas sem cobertura assistencial no município ou estado em que reside.

No exemplo acima, o empregador cumpriu com a sua obrigação de oferecer o plano de saúde ao seu teletrabalhador, mas este, por sua vez, terá cobertura assistencial com restrição de acesso, uma vez que precisará se deslocar até um prestador de saúde da rede credenciada no estado de São Paulo para ser atendido. Na prática, equivale a dizer que o teletrabalhador não terá cobertura assistencial.

A fim de contribuir com a problemática apontada acima, abordamos a seguir algumas alternativas, com seus prós e contras, que a operadora de saúde pode oferecer às empresas contratantes.

A primeira é oferecer um plano com maior abrangência.

Fator desfavorável: causa um aumento no valor do plano nacional x municipal.

A segunda alternativa é oferecer dois planos de saúde, um local e outro com abrangência maior. Esta hipótese consiste simplesmente na pactuação entre a operadora e a contratante de oferecer um ou mais planos de saúde no mesmo contrato.

Assim, a operadora de saúde cujo plano empresarial tem área de abrangência local (menor), celebra acordo de reciprocidade com outras operadoras que disponham de rede nas localidades desejadas.

Fator desfavorável: causa um aumento no valor do plano, mas pode ser opcional a contratação dos dois juntos.

A terceira hipótese é oferecer a cobertura opcional para urgência e emergência fora da abrangência. Sendo assim, a operadora de saúde cujo plano empresarial está vinculado passa a oferecer aos teletrabalhadores a opção de atendimento de urgência e emergência fora da abrangência do plano, o qual será subsidiado pelo empregador, sem nenhum custo extra ao teletrabalhador.

Fator desfavorável: o teletrabalhador continua sem a assistência dos atendimentos de rotina, preventivos e eletivos, sendo necessária, muitas vezes, o transporte para continuidade do tratamento dentro da área de abrangência do plano após a estabilização do quadro clínico do beneficiário, o que pode culminar em judicialização para que o atendimento tenha sua continuidade no domicílio do beneficiário.

 

E como a operadora pode ampliar a abrangência da sua rede de atendimento?

Avaliamos a seguir quatro opções.

 

  1. Contratação de rede diretamente com prestadores de serviços de saúde

A ampliação de rede de prestadores costuma ser bastante onerosa, principalmente quando se refere a área em que a operadora não possui número significativo de beneficiários, visto que sem uma expectativa de alto volume de pacientes os acordos comerciais apresentam valores muito próximos aos praticados para clientes particulares. Além disso, a gestão de uma rede credenciada muito ampla é onerosa.

 

  1. Criação de plano com opção de reembolso mediante uso de livre escolha

Um plano com opção de reembolso pode ser uma alternativa. Nem sempre a mais viável sob o ponto de vista prática para o teletrabalhador, visto que terá que desembolsar diretamente os valores de sua assistência e aguardar os prazos de reembolso, que geralmente não são no valor integral da despesa assistencial.

 

  1. Compartilhamento de risco

O compartilhamento de risco definido pelo ato normativo RN nº 430 da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, também chamado de intercâmbio ou repasse, ocorre quando a operadora de saúde passa a ofertar um produto com abrangência maior e celebra um instrumento jurídico de reciprocidade com uma ou mais operadoras, utilizando-se das redes assistenciais destas últimas para atender os teletrabalhadores residentes fora da área de abrangência do plano.

Esta modalidade pode se dar também por meio da oferta conjunta de planos, assim haveria um plano em que parte da cobertura seria garantida por uma operadora e a outra parte, em regiões fora da abrangência local, seria coberta por uma segunda operadora. Embora esta segunda modalidade tenha sido regulada em 2018 não observamos ser uma prática comum de mercado.

 

  1. BPO – Business Process Outsourcing

O BPO – Business Process Outsourcing nada mais é do que a terceirização da operação do plano de saúde e/ou da rede de prestadores de serviço de saúde. A contratação do BPO ocorre através de instrumento jurídico celebrado com a operadora.

A ANS não regulamenta a contratação da rede assistencial por meio da figura do BPO, de modo que não há vedação na regulamentação da saúde suplementar para sua utilização como ferramenta de operação.

A rede assistencial por meio do BPO será registrada no produto, no RPS, como se fosse rede DIRETA da operadora. Portanto, do ponto de vista da regulação da ANS a rede será tratada como rede DIRETA.

Percebe-se que o BPO é uma figura diferente do compartilhamento de risco previsto na RN 430, onde, neste último caso, a operadora se vale da rede de prestadores de outra operadora.

Assim, a operadora de plano de saúde pode oferecer um plano de saúde com rede maior e administrada pelo BPO.

No entanto, conforme dito anteriormente, a ampliação da abrangência (municipal x nacional) causa um aumento no valor do plano e essa diferença de preço pode chegar a quase 3 vezes mais em operadoras de grande porte com atuação nacional, segundo dados do painel de precificação da ANS. Já a diferença entre plano com abrangência nacional em relação à abrangência estadual, fica em torno de 20%.

 

Urgência e Emergência como cobertura Opcional?

O atendimento de urgência e emergência fora da abrangência geográfica do plano pode ser realizado na rede assistencial de outra(s) operadora(s), na forma de compartilhamento de risco, conforme tratado em uma das alternativas acima.

Ressaltamos que as operadoras de autogestão podem oferecer cobertura diversa da área de atuação do produto aos beneficiários que estejam provisoriamente e por motivo de trabalho residindo em localidade diversa, na forma de serviço adicional, até o limite de 10% sobre o total de beneficiários, conforme preconiza o artigo 21, § 2º, da RN 137/2006.

As operadoras de saúde, a partir dessas alternativas, assumem um papel importante ao contribuirem proativamente com os movimentos e necessidades de seus clientes finais. Pensar antecipadamente sobre esses aspectos, evoluir para novas soluções e conciliar a precificação do plano às variáveis como o local de residência da massa de empregados, pode ser um caminho interessante frente ao surgimento de novas tecnologias.

 

 

Marcio Betineli
Gerente de Regulação


Data da notícia: 12/10/2021

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