O que aconteceu com o reajuste dos planos individuais?

O que aconteceu com o reajuste dos planos individuais?

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) publicou no dia 12/07/2021 o Comunicado n.º 93/2021, que autoriza o reajuste máximo de -8,19% (negativo) a ser aplicado obrigatoriamente aos planos médico-hospitalares individuais ou familiares regulamentados. O reajuste se aplica ao período de 1º maio de 2021 a 30 de abril de 2022.

Além da obrigação do reajuste ser aplicado independentemente da solicitação de autorização à ANS, a agência deixou claro que é vedado o reajuste em patamar superior a -8,19% ou reajuste “zero” no aniversário do contrato.

 

Qual era o procedimento antes da aplicação dos reajustes?

Pois bem, antes da revogação pela RN 362/14, o art. 3º da RN 171/08 estabelecia que as operadoras que não aplicavam reajuste na contraprestação pecuniária de seus planos de saúde individuais e familiares, no período compreendido entre maio de um ano e abril subsequente de cada ano, deveriam comunicar a não aplicação à DIPRO, até 30 de agosto deste último ano, através da página da ANS na internet.

Ainda havia disposição no §2º do artigo supramencionado sobre a isenção do envio da comunicação para as operadoras que tinham autorização e não aplicavam reajuste e aquelas que tinham o registro de operadora cancelado.

Não obstante a revogação do artigo supramencionado, o art. 9º da RN 171/08 dispõe que a operadora poderá aplicar o reajuste, ou seja, fica a sua escolha reajustar o plano, especialmente após a obtenção da autorização da ANS. Assim, de acordo com a interpretação, segundo a disposição no sentido de que “pode” e não “deve”, a operadora não seria obrigada a aplicar o reajuste autorizado pela agência.

Diante disso, entendíamos não haver necessidade do cancelamento da autorização do reajuste, em razão de ser facultativa a sua aplicação e, consequentemente, concluímos que a ANS não dispõe de procedimento de cancelamento dessa autorização.

Dessa forma, ao cobrar a Taxa por Pedido de Reajuste de Contraprestação Pecuniária - TRC para realizar a verificação dos critérios de admissibilidade e cumprimento dos requisitos para autorização da aplicação do reajuste, a ANS exerce seu poder de polícia e não cabe mais a devolução da taxa, pois mesmo que a operadora não aplique o reajuste, a ANS disponibilizou a autorização do reajuste, ou seja, fez a análise do pedido da operadora.

 

A obrigatoriedade do reajuste

Não obstante, fomos surpreendidos com a orientação da ANS sobre a obrigatoriedade de aplicar o reajuste negativo, independentemente de a operadora ter obtido autorização para tanto. O motivo é por se tratar de um direito do consumidor, o que me causou espanto, considerando, ainda, que algumas operadoras não solicitaram a autorização e nem pagaram a taxa para aplicação do reajuste autorizado, enquanto outras operadoras solicitaram e recolheram a respectiva taxa.

Com efeito, entendo que a ANS deveria, ao menos, devolver a taxa paga pelas operadoras que não têm sequer a opção de não aplicar o reajuste autorizado pela agência uma vez que, como dito pela própria ANS, o direito é do consumidor. Quando do exercício do direito de aplicação do reajuste positivo, a operadora realiza o recolhimento da taxa. Além do mais, a conduta de devolver o valor da taxa recolhida, respeitaria o princípio da isonomia das partes, advindo do direito administrativo.

Quanto ao reajuste ser justo ou não, do ponto de vista atuarial, Raquel Marimon, atuária e diretora executiva da consultoria Prospera l Funcional, respondeu brilhantemente a um colega que o reajuste é justo, mas não é certo. De acordo com ela, o reajuste mantém um critério de cálculo público, transparente e auditável, mas não é certo “porque tem a função de garantir a novação dos contratos e não a reposição de suas perdas (ou ganhos) passados. O novo preço, menor que o atual, não faz frente aos riscos assumidos pelas operadoras”.

Raquel ainda complementou sobre o tema: “É perverso sob o ponto de vista atuarial, pois se quando vier o rebote uma parcela grande de beneficiários não se mantiver no plano, mudamos a base de pessoas para “pagar” a conta que ficou. Desestimula a prática de planos individuais e faz questionar a confiança no processo. Aqui estou me referindo a confiança que o consumidor tem nestas instituições, visto que mesmo estando correto o cálculo como soará para um leigo que em um ano vem um reajuste negativo e no outro um reajuste cavalar”.

Em continuação ao ponto abordado acima, sobre o aspecto do cálculo para fundamentação da aplicação, acontece que, se para muitas de fato a aplicação do reajuste negativo reflete as despesas de utilização dos serviços prestados que foram reduzidos em decorrência da pandemia, para outras, em razão do investimento em leitos de alta complexidade para atender seus beneficiários de Covid-19, o reajuste negativo não suportará tal investimento.

Não podemos esquecer que muitas operadoras estão com foco no tratamento dos beneficiários que ficaram com sequelas após a infecção pelo novo coronavírus.

Assim sendo, entendo que a ANS deveria avaliar as condições mencionadas acima, sem colocar todas as operadoras no mesmo “barco”, ou, ao menos, possibilitar a operadora se manifestar quanto a aplicação diferente do autorizado, sendo definido o índice por meio da celebração de Termo de Compromisso (TC) com o órgão regulador, assim como faz para os planos não regulamentados que não possuem índice claro previsto em contrato, em que a operadora não deseja aplicar o índice autorizado pela ANS.

Contudo, acredito que outras questões pertinentes poderiam ser consideradas pela agência reguladora, além da possibilidade de escolha acerca da aplicação ou não do reajuste negativo, assim como dispõe a normativa, ou, ao menos poderia ter sido dada a possibilidade das operadoras se manifestarem ou pedirem a formalização de Termo de Compromisso (TC) para aplicação de outro índice, com a devida justificativa para tanto, e não simplesmente fazer todas as operadoras “engolirem” um reajuste negativo, como fez a ANS na sua última determinação quanto à aplicação do reajuste dos planos médico-hospitalares individuais, sem avaliar caso a caso.

 

 

 

Natalie Martins
Gerente de Regulação

 

 


Data da notícia: 27/07/2021

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