A fraude no reembolso de planos de saúde e as medidas adotadas pela ANS

Recentemente a ANS promoveu um evento presencial para fomentar a discussão de temas relevantes para o setor, dentre os assuntos elucidados houve a divulgação dos resultados preliminares da pesquisa realizada pela Agência quanto às fraudes em pedidos de reembolso e as medidas adotadas pela Diretoria de Fiscalização para coibir essas práticas no setor.

No que concerne à divulgação dos resultados preliminares da pesquisa, convém esclarecer que, o proposito inicial da Agência foi realizar um estudo sobre os eventuais indícios de fraude no âmbito da NIP, mediante o envio de informações e dados das próprias operadoras.

Nesse sentido, na data de 28/03/2023, foi disponibilizado às operadoras de planos de saúde um formulário para que apresentassem informações das NIP’s do tema “Reembolso” recepcionadas nos anos de 2021 e 2022, nas quais tenham sido identificado algum indício de fraude nas solicitações de reembolso.

O envio de tais informações foi facultativo, no entanto, ao preencher o formulário disponibilizado as operadoras tiveram, obrigatoriamente, que listar o número das demandas, dar ciência obrigatória que o formulário tinha finalidade exclusivamente de subsidiar o estudo da ANS sobre o tema, bem como atestar referente à veracidade das informações prestadas.

De acordo com a análise exposta no evento, identificou-se que 870 (oitocentos e setenta) operadoras optaram pelo preenchimento do formulário proposto, mas apenas 28 (vinte e oito) apresentaram evidências de indício de fraude no reembolso.

Segundo os dados apresentados foi identificado o total de 4.120 (quatro mil cento e vinte) demandas com indícios de fraude, no período analisado – também foram consideradas demandas recebidas no ano de 2023 eventualmente enviadas – com a exclusão das demandas em duplicidades e das demandas cujo objeto era diverso do tema de reembolso.

O que chamou a atenção foi que 85,2% das NIP’s (3.511 demandas) informadas pelas operadoras com indício de fraude foram cadastradas via site, ou seja, o cadastramento das demandas pelo sítio da ANS é um ponto sensível no combate à fraude.

Sendo assim, com o fito de tentar impedir tal ação com eventual comportamento oportunista por parte de interlocutores, a DIFIS adotou algumas medidas, tais como: 

1 - Mensagem padronizada antes do acesso ao espaço NIP Consumidor - informando sobre a proteção do sigilo nas informações ali prestadas, reforçando que o acesso não autorizado, a disponibilização voluntária ou acidental da senha de acesso ou de informações e a quebra do sigilo constituem infrações ou ilícitos que sujeitam o usuário a responsabilidade administrativa, penal e civil.
 
2 - Mensagem exclusiva sobre LGPD com a ciência do tratamento dos dados.
 
3 - Reformulação da tela de cadastro para interlocutor não beneficiário com o texto sobre necessidade de prévia ciência do beneficiário ou justo motivo para dispensá-la.
 
4 – Obrigatoriedade de informar o motivo da dispensa quando a opção escolhida tenha sido "beneficiário não tem ciência".
 
5 - Ao final do registro da reclamação foi alterado o texto de ciência, atestando a veracidade de todas as informações prestadas na solicitação.
 
6 – Adequação do do Disque ANS para que seja perguntado sobre o efetivo pagamento, quando da menção de pedido de reembolso. Orientação para as Equipes de analistas NIP e sancionadores para terem atenção adicional às demandas que envolvam reembolso.
 
7 – Buscando a redução da utilização indevida de CPF por terceiros que não o legítimo titular, o novo usuário é solicitado a responder 3 perguntas geradas a partir dos dados pessoais do titular do CPF na base da Receita Federal. Para completar o cadastro é necessário responder corretamente às 3 perguntas.
 
Além disso, em que pese estarmos diante de uma prática ilícita, em apenas 13,5% dessas demandas houve a confirmação de comunicação à Polícia e/ou outros órgãos competentes, o que demonstra uma certa ausência de protagonismo de algumas operadoras na tentativa de inibir essa operação ilegal.
 
A ANS realizou, ainda, a classificação das alegações das operadoras de acordo com as informações dos formulários, obtendo as seguintes situações:
 
  • Reembolso sem desembolso por parte do beneficiário de plano de saúde;
  • Reembolso assistido;
  • Interlocutor contumaz;
  • Alta frequência para o mesmo tipo de tratamento/técnica utilizada;
  • Clínicas com algumas características que solicitam lista extensa de exames;
  • Solicitações de reembolso em valores vultosos, fora do padrão praticado no mercado;
  • Procedimento sequer foi realizado;
  • Clínicas que "enganam" o beneficiário indicando ter parceria com a operadora X, Y, não sendo necessário prévio desembolso;
  • Adulteração de documentos
 
Fato relevante é que, do total das demandas com indício de fraude – com ou sem comunicação à Polícia e/ou órgãos competentes –, somente 83 (oitenta e três) foram encaminhadas ao respectivo Núcleo da ANS para apuração com a instauração de processo administrativo sancionador.

A equipe da NIP da ANS em uma releitura dessas demandas, observou que, em 51 (cinquenta e uma) NIP’s não foi possível constatar algum indício de fraude no relato ou na resposta da Operadora.

Destacou, também, que nas 32 (trinta e duas) restantes havia possibilidade de alegação de fraude, no entanto, a resposta da operadora poderia ter sido mais bem qualificada, a fim de evitar a autuação. Citam-se a seguir alguns exemplos mencionados pela Agência:
 
1) Alegação de confissão de não pagamento por parte do beneficiário, no entanto, sem comprovação com a devida juntada do áudio ou documento respectivo;
 
2) Ausência do contrato entre as partes inviabilizando a análise de mérito no âmbito da NIP;
 
3) Ausência de exposição mais circunstanciada que a conduta em análise se enquadraria em possível fraude.
 
Portanto, é fundamental que, na defesa da NIP a operadora municie a ANS de provas concretas sobre o indício da fraude e/ou informações robustas quanto à uma eventual investigação criminal acerca da fraude já iniciada internamente pela operadora, se for o caso, demonstrando que a demanda se trata de um potencial fraude.

Não obstante às infrações cometidas pelos usuários e pelos prestadores de serviços com a necessidade de investigação e apuração na esfera cível e criminal, sob o ponto de vista regulatório, a ANS, por óbvio, reconhece essas práticas como indevidas, já que são ilícitas, entretanto, reafirma sempre o entendimento de que as Operadoras somente façam solicitações/exigências de documentos para fins de comprovação, em conformidade com o celebrado entre as partes no instrumento jurídico.

Lembrando que, na hipótese de omissão contratual, a ANS admite que a operadora possa exigir que a solicitação de reembolso deva ser instruída, minimamente, com qualquer documento hábil e idôneo que comprove a efetiva ocorrência da despesa, identifique o beneficiário e o procedimento executado, inclusive a data em que foi realizado, conforme preceitua o Entendimento DIFIS nº 08. (https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=pdfOriginal&format=raw&id=MzM3OQ==)

Vale ressaltar que, não há atualmente na regulamentação setorial um rol mínimo de documentos necessários para comprovação do desembolso, entretanto, a ANS posicionou que essa questão está sendo estudada internamente, mas ainda sem uma definição por parte da reguladora.

Ou seja, compete à operadora realizar exigências/solicitações de documentos, sem extrapolar a razoabilidade do que se entende como idôneo e hábil ou o que for devidamente pactuado contratualmente, em estrita observância ao que determina a regulamentação em vigor (em especial a IN ANS nº 28/2022, Anexo https://www.ans.gov.br/images/stories/Legislacao/rn/Anexo_IN_28.pdf)

Diante disso, recomenda-se que as Operadoras divulguem o máximo de informações possíveis acerca da irregularidade na conduta em questão, em todos os seus canais de atendimento, instruindo cada vez mais os beneficiários, a fim de afastar qualquer prática ilegal sob alegação de ausência de informações e/ou esclarecimentos.

Ademais, é importantíssimo que as Operadoras tenham uma atuação preventiva e estratégica, criando comitês/grupos de trabalho para investigação e mapeamento de informações/dados, com a finalidade de impedir que essa prática ilegal se perpetue, municiando-se de evidências/provas e levando a situação à esfera criminal, para coibir essa operação que afeta direta e indiretamente todo o setor de saúde suplementar.

De toda forma, também é válido refletir que, embora seja totalmente legítimo que as operadoras busquem meios para mitigar eventuais riscos na sua operação, tais ações não devem ser excessivas de maneira a dificultar o acesso dos beneficiários da carteira que fazem o uso do plano com boa-fé.

Inclusive, no decorrer do evento a ANS pontuou que, houve um crescimento de demandas envolvendo o tema “Reembolso”, que pode ser atribuído a uma maior “rigidez” implementada pelas Operadoras em seus processos internos de solicitação de reembolso.

Logo, é imprescindível que as operadoras adotem condutas, em estrita observância aos dispositivos contratuais e a regulamentação setorial vigente com a cautela necessária, a fim de não causar prejuízos aos demais beneficiários.
 
*Fonte: Estudo divulgado pela ANS no Evento NIP realizado no dia 20/04/2023

 
Débora de Figueiredo Coelho
Especialista Jurídico
Gestão de Regulação


Data da notícia: 03/05/2023

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