R$ 15 bilhões liberados para as Operadoras, mas a que custo?

Muito se tem falado sobre a liberação dos ativos garantidores, prometido nos pronunciamentos oficiais do governo atual, para o segmento de operadoras de planos de saúde. Sabemos que não há “almoço grátis”. A discussão e protelação de publicação de medidas por parte da ANS tem sido fator de angústia para os gestores de planos de saúde, pois sabem que terão que arcar com a conta dessa pandemia independentemente das ações ou decisões governamentais e tiveram esperança de que esse anuncio significaria um alívio ao fluxo de caixa ou quem sabe até um relaxamento nas árduas exigências regulatórias sob o ponto de vista dos ativos garantidores.

Ativos Garantidores

Atualmente é exigido das operadoras de planos de saúde comprometimento financeiro que vise a garantia da sua solvência e manutenção das operações regulares. Esse compromisso é refletido por meio do reconhecimento contábil em seus passivos do montante de provisões que tem finalidades específicas para garantir a regularidade dos pagamentos a rede prestadora de assistência à saúde. O mesmo valor precisa ser disponibilizado em aplicações financeiras, que ficam vinculadas à ANS.

Para atuários como eu, era evidente que a liberação desses ativos exigiria algum tipo de contrapartida e aguardávamos também com curiosidade qual seria a alternativa idealizada pelo órgão regulador. No último dia 08/04 ocorreu a 525ª reunião da diretoria colegiada da ANS, onde parte da pauta foi direcionada a esse tema, ocorrendo por fim a deliberação.

Na soma considerando grandes números se chega ao valor de R$ 14,5 bilhões que por regra de arredondamento fez a mídia anunciar a incrível cifra de R$ 15 bilhões. Para compreendermos o conjunto de cenários elaborado pelos técnicos da ANS, vejamos:

  • R$  1,4 bilhões - PESL/SUS;
  • R$ 10,5 bilhões – PEONA;
  • R$  2,7 bilhões – permissão para que as operadoras que estavam no enquadramento de exigência integral de Capital Regulatório possam fazer a opção prevista na RN 451/2020.


Agora vamos aprofundar um pouco no tema, compreendendo o que significam essas obrigações que tem um “relaxamento” no nível de ativos e exigências regulatórias. A análise que segue é baseada em minuta do Termo de Compromisso ao qual tivemos acesso.

PESL/SUS:

Provisão para Eventos ou Sinistros a Liquidar relativa aos atendimentos ocorridos na rede do Sistema Único de Saúde. Corresponde ao montante apresentado pela ANS como devido pelas operadoras de planos de saúde a ressarcir os atendimentos realizados pelo SUS. Para esse montante, aquelas operadoras que optarem pelo Termo de Compromisso proposto, poderão acessar esses recursos para dar continuidade aos atendimentos assistenciais. Contudo, tal recurso deverá ser recomposto a partir de janeiro de 2021, em até 24 meses.

PEONA:

Provisão para Eventos Ocorridos e Não Avisados. Corresponde ao montante calculado atuarialmente aos valores de atendimentos assistenciais já ocorridos na rede prestadora e que ainda não foram reportados, para os quais os consultórios, clínicas, laboratórios e hospitais ainda não apresentaram a cobrança, mas que são devidos, pois ocorreram. Essa provisão é muito relevante, pois representa a garantia de que a operadora terá os recursos necessários para continuar honrando seus compromissos relativos aos atendimentos assistenciais. Na proposta apresentada, as operadoras que assinarem o Termo de Compromisso poderão movimentar esse recurso livremente. Ou seja: ela continua tendo o registro em passivo do montante devido, precisa ter o valor correspondente em seus ativos de curto prazo, mas a ANS vai deixar de ter a visualização do montante específico ou tipo de investimento em que o recurso estiver. Assim, o valor poderá ser aplicado em outros ativos de mais curto prazo ou com diferente rentabilidade até o final de 2020.

Redução de capital regulatório:

As operadoras que são do tipo Seguradoras Especializadas em Saúde ou que se registraram na ANS após determinada data tem exigência integral de capital regulatório, que corresponde ao patrimônio líquido exigido para se manter como operadora de plano de saúde. A adesão ao Termo de Compromisso proposto oferece como contrapartida a possibilidade de optar pela condição prevista na RN 451, que congela o percentual de escalonamento em 75% da Margem de Solvência ou exige que o patrimônio líquido atenda as exigências do Capital Baseado em Risco, recém regulado. A vantagem percebida nessa opção seria que eventuais prejuízos relativos a 2020 poderiam ser compensados com a redução do valor exigido a título de patrimônio líquido.

Obrigações para as Operadoras

O Termo de Compromisso exigido traz obrigações efetivas para as Operadoras que fizerem essa opção:

  1. Não cancelar nenhum plano de saúde em razão de inadimplência até 30/06;
  2. Garantir o pagamento das contas;
  3. Não realizar aquisição de outra operadora;
  4. Não participar cessão de carteira;
  5. Não aumentar a remuneração de administradores ou diretores;
  6. Não reduzir o capital social;
  7. Não pagar juros ou dividendos sobre capital, entre outras.

Na prática, os termos definidos pela ANS como condicionantes para liberação de movimentação de recursos próprios das Operadoras corresponde a um empréstimo autofinanciado, com a condição de juros desconhecida, que será equivalente ao montante de inadimplência irrecuperável em período de pandemia mundial que certamente será seguida de retração da economia. Para avaliar a oportunidade será importante conhecer no detalhe a composição de sua carteira de clientes considerando o ramo de atividade das empresas contratantes. Caso a carteira seja composta por planos individuais podemos antever um comportamento de aumento na inadimplência, em decorrência do cenário econômico que está por vir.

Durante o período de vigência ANS poderá exercer todo seu arsenal regulatório, independentemente de haver Termo de Compromisso firmado ou não. Ou seja: ela poderá considerar a ausência de ativos garantidores correspondentes às provisões como motivo suficiente para uma direção fiscal ou outro ato fiscalizatório. O termo assinado poderá ser anulado caso a Operadora deixe de cumpri-lo ou ainda se tiver qualquer reclamação (NIP) em razão de cancelamento por inadimplência até dezembro de 2020. Além desse aspecto, a normativa prevê multa de até R$ 3 milhões de reais pelo descumprimento de quaisquer aspectos do documento.

 

 
 Raquel Marimon

 Diretora

 

 

 

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Data da notícia: 14/04/2020

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